Tocar não é coisa só de pele
A pele é o maior órgão do corpo humano e não tem simples envoltório inerte. Tem várias funções orgânicas, assim conhecidas:
1- Como protetora dos tecidos internos contra lesões mecânicas, irradiações e invasão de substancias e microorganismos.
2- Como órgão do tato
3- Como regulador térmico
4- Como regulador metabólico pelo acumulo de gordura e de água e do sal pela transpiração
5- Como produtora de fator anti-raquitismo (vitamina D)
Apesar de todas essas funções na homeostasia, só nas últimas décadas é que se passou a considerar sua importância. Como órgão sensorial é mais importante dos cinco sentidos, uma vez que é capaz de suprir a visão e a audição, como no caso clássico de Hellen Keller. A sensação de dor é outro aspecto do seu papel protetor. É por meio dela que o cérebro recebe informação para manter o tônus sensitivo e motor. A projeção da área táctil e motora da pele na área cortical do cérebro torna a parte constituinte do sistema nervoso central.
As observações de Hammett sobre como o ato de lamber a cria pela mãe proporciona adequada estimulação cutânea ao animal, determinando se ele vai ou não sobreviver: os que não são lambidos morrem de doenças urinarias ou gastrointestinais. Mccance e Otley observaram insuficiência renal fatal em gatos não lambidos pela mãe confirmando a importância da estimulação cutânea na hora do parto e nos primeiros meses de vida.
O sistema imunológico do RN é muito mais competentes nos RN que foram cuidados e e manipulados. Os pesquisadores relatam maior imunidade, menor ganho de peso, mais atividade, menos medo e maior resistência ao estresse.
Blawelt e Siddel observaram que ovelhas e cabras, retiradas da mãe e deixadas com ela poucas horas, não resistem. A estimulação da pele promove a secreção de prolactina, responsável pelo sentimento de confiança e bem-estar do bebê (brooding). Qual o equivalente humano desse “lamber a cria”?
Começa no trabalho de parto, em que as contrações produzem o mesmo efeito de estimular o feto. Continua na primeira mamada de colostro e segue-se no handling, (cuidado) e no holding (segurar) das mamadas sucessivas, pelo componente de ternura materna. As contrações uterinas estimulam o sistema nervoso do feto, imprimindo na pele uma memória. Quando a pele não recebe esse “abraço” das contrações, o sistema nervoso autônomo não é estimulado adequadamente, dando lugar a uma falha de ativação do sistema nervoso sobre os diversos órgãos. O RN humano é totalmente imaturo em seu sistema enzimático e imunológico, requerendo uma gestação “externa” – a exterogestaçao – que leva, em media, outros nove meses – ou seja, até a criança começar a engatinhar.
Mary Shirley, da Harvard Child Study Center in Boston, publicou um estudo sobre prematuros mostrando que eles têm menor acuidade sensorial, menor controle da fala e da coordenação postural e motora. Prematuros nascidos por cesárea sofrem mais intercorrências respiratórias, como a “membrana hialina”, cuja incidência em bebes de cesárea é dez vezes maior que em RN, o que é atribuível à falta da estimulação cutânea das contrações uterinas. As diferenças bioquímicas mais notáveis nos prematuros são: acidose e menores índices de albumina, cálcio, magnésio e glicemia e aumento do potássio sérico. Quando ocorre o trabalho de parto antes da cesárea, não existem diferenças acentuadas.
Quanto à performance geral do bebê prematuro cesareado, na ausência de trabalho de parto, ele apresenta mais problemas quanto à alimentação, maior suscetibilidade a infecções e distúrbios respiratórios, gastrintestinais e do sistema geniturinário. O pesquisador William J. Piper encontrou as seguintes e notáveis características em crianças cesareadas, acompanhadas até aos oito anos de idade: maior incidência de medo à escola, transtornos da personalidade, hiperatividade e distúrbios emocionais. Os benefícios do contato mãe-bebê são recíprocos, a ponto de produzir as contrações no útero pela simples presença do bebê ao lado da mãe.
O ambiente aquático uterino é comparável a um estado de plenitude ou de beatitude absoluta, que é rompido pelo processo do nascimento. A intempestiva saída de tal ambiente produz uma pressão do ar sobre os pulmões e conseqüente rearranjo da posição cardíaca e do diafragma. É nesse momento crucial de adaptação a outro ambiente que as duas vidas simbióticas – da mamãe e do bebê – não podem ser separadas abruptamente. O bebê precisa da mãe nesse momento, tanto quanto ela precisa de seu bebê – e esse vínculo é retomado com a primeira mamada.
O ser humano é a única espécie que rejeita sua condição mamífera, com apoio dos circunstantes, familiares ou profissionais da saúde. A mãe e o bebê necessitam nesse momento do reforço de sua presença mútua, do calor recíproco, da estimulação da pele e da sucção do seio. Os efeitos naturais que a primeira mamada proporcionam:
1- A musculatura uterina contrai os vasos uterinos.
2- O útero começa a reduzir de tamanho.
3- A placenta se destaca e é expulsa mais facilmente.
4- Os benefícios para o organismo do bebê acontecem em cascata, sobre o sistema nervoso, imunológico, enzimático e emocional. Não que o RN não possa sobreviver sem a amamentação, mas esta lhe proporciona um desenvolvimento mais sadio e mais harmônico.
A díade mãe-bebê é destinada ao contato máximo pele-a-pele em ambiente facilitador provido pelo hormônio “ocitocina” – o hormônio da lactação. Filhotes de primatas que são carregados pela mãe e amamentados em livre demanda raramente vomitam ou regurgitam. O significado disso, para os pesquisadores é que o bebê não foi feito para o berço, mas para o seio e os braços maternos. “O seio é o educador da humanidade” – William Painter.
“ Fui uma criança tocado por minha mãe
Um homem em contato com seu seio
Um deus ao calor de sua respiração “
(Rossetti – The House of Life)
Margaret Ribble, autora de “The Rights of Infants”, observou como a “respiração leve e inadequada do RN é estimulada vigorosamente pela sucção e pelo contato com a mãe. As crianças que usam mamadeiras deglutem mais ar ou/e regurgitam mais. O tônus gastrintestinal dos primeiros meses depende do estímulo reflexo do toque materno, que tem uma influência biológica definitiva na regulação da respiração e das funções nutritivas do bebê”.
Para Freud, o contato dos lábios do bebê com o seio é a pedra fundamental da sexualidade. Os sons e barulhinhos que a mãe emite ao bebê durante a amamentação, bem como a manipulação, são identificados prazerosamente pelo bebê. Para Ortega y Gasset, “o toque e o contato determinam nossa percepção e estruturação do mundo”. Segundo o Oxford Dictionary, “o toque é o mais amplo dos sentidos, difuso em toda a pele, mais localizado principalmente nos lábios e pontas dos dedos”. A criança acarinhada e confortada pelos braços da mãe apresentam mais interesse e dormem melhor. O contato íntimo e o balanço da estimulação táctil.
Foi Holt (em 1916) com seu “CATECISMO PARA USO DAS MÃES” quem lançou a idéia de que embalar a criança era um “vício”, um hábito que deveria ser quebrado por ser “prejudicial”. Durante cerca de 50 anos, as mães e pediatras “modernos” deram fim ao berço de balanço e se abstiveram de pegar a criança mesmo se esgoelando de chorar, ou de beija-la e acaricia-la. Estabeleceram-se normas rígidas sobre horários, treinamento de toalete e “preparar a criança para viver em sociedade e se tornarem ‘independentes’”.
Se a criança chorasse à noite ou com fome, deveria esperar para não ficar “manhosa” – e as mães, mesmo com o coração apertado resistiam bravamente a seus “impulsos animais”. E não ousavam enfrentar a palavra autorizada dos pediatras, pois eles “sabem o que fazer”. Esse período é considerado a Idade Média da criação infantil, com mães “modernas” recusando-se ao “sentimentalismo” e entregando a criança ao berço, com medo da opinião de parentes, pediatras e amigos.
A tecnologização da obstetrícia, a separação do bebê logo após o parto, as longas esperas pelas mamadas, o incentivo ao uso da mamadeira e da chupeta em lugar do seio, são as evidencias melancólicas que até hoje ameaçam a criança. Até que Peiper chamou a atenção para o embalo nos braços maternos, “o melhor sedativo”. É preciso embalar bebê sadio no berço e nos braços da mãe ou do carrinho – “quando estiver a ponto de dormir – logo ele se acalma e não precisa ficar chorando” _ “uma criança embalada SABE que não está sozinha” (Peiper, A. Cerebral Function in Infancy and Childhood: NY, 1963).
O bebê devidamente embalado e aconchegado recebe estímulo positivo para seu funcionamento celular e visceral, principalmente cerebral, respiratório e gastrointestinal. O embalo faz com que os líquidos e gases do instestino se movimentem ajustando a digestão, absorção e eliminação. Em 1934, Zahovisky declarou que “bebês acalentados após as mamadas têm menos cólica, menos espasmos intestinais e se tornam mais felizes que os bebês confinados ao berço…” Um dia, diz ele, “acredito que não haverá dúvida quanto a embalar a criança e cantar para ela adormecer”.
Embalar tem efeitos positivos sobre a temperatura do bebê e relaxa o sistema nervoso e melhora o tonus intestinal. Produz uma estimulação suave de todas as áreas da pele, com os conseqüentes benefícios fisiológicos para o bebê. Esses efeitos influenciarão o futuro bem-estar, a sensação de plenitude existencial, a alegria, o senso de ritmo e o interesse em viver, ao contrário das crianças abandonadas a si mesmas, privadas de si mesmas e que só acham consolo no auto-embalo (como os autistas).
A percepção espaço-temporal da pele é mais rápida que a do olho e mais simples. Por que se canta no chuveiro? O estímulo da pele pela água induz mudanças respiratórias que remetam em música. A privação das necessidades tácteis leva ao choro, logo acalmado pelos braços e carinhos materno. O que é um ser humano sadio? Aquele que é apto para amar, trabalhar, brincar e pensar criticamente – é um ser humano sensível, aquele que foi “tocado”.
Quem não foi tocado adequadamente tem mais desorientação espacial, mais síndrome de pânico, mais angústia. Um meio de retomar o contato é buscar mãos amorosas que lhe devolvam as carícias maternas ou seus substitutos, seja nos cabeleireiros, nos consultórios médicos ou massagistas, uma vez que a cultura cerceia e bloqueia as oportunidades de toque, como faz desde que a criança é impedida de receber embalo e cuidados maternos.
Resumo do livro de Ashley Montagu: “Touching – The human Significance of Skin” – TOCAR: existe ed.b
Fonte: Pediatria Radical
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